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Flexibilizar para conciliar

Flexibilizar para conciliar

O impacto da reconciliação trabalho-família na fertilidade e nos papéis da paternidade na Europa – Suécia

30.05.11, flexbilizar ~ conciliar
A reconciliação trabalho-família e o novo papel da paternidade fazem parte das políticas modernas para a família, em prática na Suécia há quase 40 anos. A Suécia tem um sistema abrangente de infantários, baseado na igualdade de géneros e no emprego da mulher a tempo inteiro. Mas os resultados destas políticas começam a notar-se e não são unânimes. Por um lado as melhores práticas na Suécia incluem o investimento generoso nos cuidados precoces à infância. Por outro, a utilização deste investimento exclusivamente em infantários, para crianças de 1 a 5 anos, pode ser considerada uma das piores práticas da Suécia.

Chamo-me Jonas Himmelstrand. Sou sueco e estou aqui como representante da organização familiar sueca Haro. Sou casado e tenho três filhos, o que não é muito se comparado com diversos outros membros da Haro.

Pediram-me para falar sobre as melhores práticas para o equilíbrio trabalho-família e a paternidade. Fá-lo-ei do ponto de vista sueco, com base nas minhas investigações e nas experiências da minha organização. Gostaria de começar por comentar as outras apresentações feitas dizendo que, a meu ver, o bem-estar infantil e o desenvolvimento saudável das crianças devem ser o ponto de partida para esta discussão.

Não é fácil apresentar uma imagem clara da Suécia relativamente a estas questões. As nossas melhores práticas tendem a estar ligadas às nossas piores práticas. A Suécia tem excelentes estatísticas de baixa pobreza infantil, baixa mortalidade infantil, esperança de vida elevada, igualdade de géneros e uma rede de infantários abrangente e acessível. Mas estas estatísticas não formam o quadro completo.

Podemos ter uma baixa taxa de pobreza infantil e elevada riqueza material relativamente a diversos outros países europeus, mas muitas crianças suecas sofrem de acentuada pobreza emocional.

Ainda assim, uma das inquestionáveis melhores práticas é a licença parental sueca de 16 meses, o que significa que não temos bebés nos infantários. Mas após estes meses de licença parental, o caso muda dramaticamente de figura.

Poder-se-ia argumentar que uma das melhores práticas suecas é o investimento de 15.000 euros por criança por ano em 90% de todas as crianças entre os 18 meses e os 5 anos de idade. O outro lado da moeda é que é o nosso governo quem decide como é que este dinheiro vai ser gasto, e não os pais. Não existe apoio estatal aos cuidados prestados às crianças em casa, como as crianças criadas pela mãe, pai, avó ou outro parente ou amigo chegado.

Pode também ser considerada uma das melhores práticas suecas o incentivo aos pais para tirarem mais tempo de licença parental. Os pais suecos tiram cerca de 20% de todas as licenças parentais. No entanto, estes números escondem o facto de que o tempo que as crianças suecas passam com os pais sofreu uma redução drástica nos últimos 40 anos, devido às políticas dos infantários.

Além disso, esta discussão sobre a paternidade trata basicamente dos pais que tiram a licença parental quando os filhos têm entre 8 e 16 meses. A maior parte da paternidade acontece mais tarde, e continua até e para além da idade adulta dos filhos. Além disso, neste aspecto os números relativos aos pais que tiram licença de paternidade não contam toda a história da paternidade. Tal como demonstrarei em breve, existe todo um novo paradigma da paternidade emergente na Suécia, com pais muito activos, aos quais estes números não fazem justiça.

Vejamos os aspectos básicos do modelo sueco de cuidados à infância.


Modelo sueco dos cuidados à infância
Na Suécia não há bebés com menos de um ano nos infantários. Isto deve-se à longa licença parental, entre 13 e 16 meses. Trata-se de uma boa prática sueca.

De todas as crianças Suecas entre os 18 meses e os 5 anos de idade, 92% estão em infantários por períodos de tempo variados. O infantário a partir dos 18 meses de idade é uma norma na Suécia.

Os infantários suecos são subsidiados pelo Estado em mais de 90%. Assim, o custo dos infantários para os pais é muito baixo, tipicamente 120 euros por mês para o primeiro filho. Nenhuma família paga mais de 285 euros por mês, independentemente do rendimento familiar ou do número de crianças em infantários. Chama-se a isto a taxa máxima (maxtaxa), uma taxa concebida para incentivar a utilização dos infantários junto aos pais.

O custo efectivo dos infantários na Suécia é de mais de 15.000 euros por criança por ano, Segundo o instituto de investigação do governo sueco.

Não existe qualquer subsídio nacional para quem opte por ficar em casa com as crianças. No entanto, num pequeno número de municípios existe a possibilidade de um pequeno subsídio de 300 euros por mês no máximo. Este subsídio só pode ser utilizado após o final da licença parental e só até aos três anos da criança, e há várias regras que dificultam a sua obtenção. O motivo político utilizado para justificar estas dificuldades é o receio mostrado por alguns partidos políticos de que o subsídio se tornasse demasiado popular.

Na Suécia, todos os impostos são totalmente individualizados, e não existe qualquer possibilidade de reduções fiscais para as famílias ou para quem fique em casa com os filhos.

O modelo da família com dois ordenados e as crianças em infantários é fortemente incentivado por todas as instituições do governo sueco.

Da mesma forma, ficar em casa a cuidar das crianças é fortemente desencorajado na Suécia pelo governo, instituições estatais, sistema de saúde, sindicatos de educadores de infância e até pelos meios de comunicação social. Os motivos mais fortes apontados para tal são a igualdade de géneros, o “direito” das crianças a frequentar o infantário e a ideia de que os pais dão um melhor contributo nos respectivos empregos do que na educação os filhos em casa, educação essa que se crê ser melhor quando dada por educadores formados.

Vou agora apresentar os resultados menos agradáveis do modelo sueco. Recordem que se trata de um país com elevada riqueza material e uma taxa baixa de pobreza infantil.

Forte redução da saúde psicológica dos jovens.
Muitos estudos suecos realçam este facto, com grande preocupação. 20 a 30 % dos nossos adolescentes mostram sinais de stress psicológico contínuo com preocupações, ansiedade e dores físicas. Este fenómeno é três vezes pior hoje em dia que há 25 anos. Segundo um estudo governamental, esta diminuição da saúde psicológica ocorre mais rapidamente na Suécia que em qualquer um dos outros 11 países europeus comparáveis: Finlândia, Dinamarca, Noruega, Hungria, Suíça, Áustria, Bélgica, País de Gales, Espanha e Escócia.

Resultados e disciplina escolar em declínio nas escolas suecas.
Em 30 anos, a Suécia passou dos lugares cimeiros da tabela mundial no que diz respeito a resultados escolares, para uma posição média. A disciplina nas salas de aulas suecas é bastante má. A situação está entre as piores da Europa.

Elevada taxa de baixa por doença entre as mulheres.
Mais uma vez, é das mais elevadas da Europa. Os motivos são psicossociais. Muitas mulheres suecas com empregos a tempo inteiro na altura em que tinham filhos pequenos reformam-se entre os 55 e os 60 anos devido a vários motivos médicos psicossociais.

Podemos perguntar o que se ganhou impondo os cuidados à infância e o trabalho em simultâneo, se de qualquer forma se perdem dez anos de trabalho devido à reforma antecipada.

Trabalhadores dos infantários no topo das estatísticas de baixa por doença.
Os funcionários dos infantários suecos estão no topo das estatísticas de baixa por doença, especialmente no que diz respeito à baixa de longa duração.

Deterioração das capacidades parentais, mesmo entre a classe média
Um estudo patrocinado pela UE e executado pela investigadora escolar sueca Britta Johansson demonstrou que até os pais suecos saudáveis, inteligentes e razoáveis têm dificuldades em ser pais hoje em dia. Na sua opinião, estes pais têm falta de conhecimentos quanto às necessidades dos filhos e não conseguem impor limites. Ela escreve (tradução minha):

A oferta pública de infantários a tempo inteiro parece fazer com que muitos pais percam o controlo à sua própria responsabilidade. Acreditam/querem que os seus filhos sejam educados no sistema pré-escolar/escolar e acreditam que lá se encontram os peritos sobre os seus filhos.

Diz ainda que o sistema pré-escolar/escolar não colmata as lacunas provocadas pela falta de tempo e confiança na paternidade por parte dos pais.

Deterioração da qualidade dos infantários suecos.
Três peritos reconhecidos suecos escreveram recentemente num livro que a qualidade dos infantários suecos já não é elevada, e que em algumas crianças o desenvolvimento ficará declaradamente comprometido devido a esta falta de qualidade.

Taxa de fertilidade total: elevada para a Europa, baixa em comparação com os países nórdicos
Tanto a Noruega como a Finlândia têm taxas de fertilidade mais elevadas que a da Suécia. Nenhuma chega às 2,1 crianças necessárias para uma reprodução total da população.

Mercado laboral com elevada segregação por género
A Suécia tem um mercado laboral com elevada segregação por género. Caracteristicamente, as mulheres trabalham na educação e prestação de cuidados, e os homens na indústria e cargos públicos mais elevados.

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O problema parece ser o facto de a liderança política sueca ignorar a importância da ligação entre a criança e os pais. A psicologia moderna da ligação diz claramente que o laço emocional entre pais e filhos não pode ser substituído nem sequer pelo melhor dos currículos, aprendizagem ou métodos pedagógico.

Poder-se-ia dizer que o problema básico das políticas familiares suecas é que o cuidado individual das crianças se tornou uma decisão política estatal com base em ideologias políticas, e não na decisão dos pais baseada nas necessidades de cada criança.

O que querem os suecos ?


- Um grande número de estudos durante as últimas décadas demonstram que a grande maioria das mulheres suecas quer passar mais tempo com os filhos pequenos.


- Um estudo recente demonstrou que 7 em cada 10 mães pretendem passar mais tempo em casa com os filhos. Este desejo é mais frequente nas mães mais jovens.


- Mais de metade das mães acredita que mais mães gostariam de ficar em casa com os filhos, se pudessem


Alguns destes pais suecos entraram em acção. Após 40 anos de políticas familiares baseadas nos infantários e emprego das mulheres a tempo inteiro, vemos um movimento que vai além deste modelo, um novo paradigma familiar que surge em famílias pioneiras, com novas soluções para a maternidade, paternidade e equilíbrio trabalho-família.

Estes pais querem cuidar dos filhos e trabalhar, mas não ao mesmo tempo. Não querem ter de trabalhar e ter crianças pequenas ao mesmo tempo. Na verdade, querem que um dos pais fique em casa nos primeiros 3-5 anos da vida da criança, para depois trabalhar em part-time até aos 18-19 anos dos filhos.

O que é interessante é que estas famílias suecas pioneiras não se baseiam em tradições nem na religião. Isso não existe na Suécia. Estes pais são exclusivamente motivados pela experiência de ligação aos filhos e pela observação da influência positive desta ligação no desenvolvimento das crianças.

Seguem-se algumas características deste novo paradigma familiar; não façam perguntas ao nosso governo, ele negará a sua existência.

Um novo paradigma familiar


Mãe e pai igualmente comprometidos durante toda a infância.
O pai e a mãe estão igualmente comprometidos na educação da criança, tanto a nível de tempo como de compromisso emocional, por um período de 18 anos, e não apenas de 18 meses.

Cuidados precoces em casa prestados pela mãe, com apoio do pai.
O valor da maternidade e da amamentação é reconhecido nestas famílias. Também se reconhece o apoio de que a mãe precisa enquanto mãe de um bebé pequeno, um apoio que será prestado pelo pai.

Cuidados conscientes por parte do pai, numa participação crescente a partir dos 2-4 anos de idade.
Segundo estes pais, os cuidados precoces devem ser prestados pela mãe, com o apoio do pai, e este começa a ter um papel mais preponderante por volta dos 2-4 anos da criança, uma idade em que outras crianças vão para o infantário. Na perspectiva de uma infância de 18 anos, a contribuição dos pais será substancial e equivalente.

Forte ênfase dada à ligação emocional aos pais.
Estes pais descobriram o poder da ligação emocional na paternidade, uma ideia bem expressa pelo psicólogo canadiano, Dr. Gordon Neufeld, no seu livro “Hold on to your kids – why parents need to matter more than peers” (Agarre bem os seus filhos – razões por que os pais têm de ter mais importância que os pares).

Na idade escolar, muitas mães iniciam um negócio próprio.
Quando as crianças vão para a escola, muitas mães começam a trabalhar em part-time, começam negócios próprios, fazem voluntariado ou arranjam um emprego a tempo inteiro. Estas mães entram no mercado de trabalho e na sociedade com poder e convicção, com experiências pessoais profundas que são difíceis de encontrar noutro lado.

A família recebe as crianças directamente da escola
Não recorrem a actividades extracurriculares. A mãe, o pai, um familiar ou vizinho recebem a criança directamente após a escola e falam com ela sobre o que aconteceu durante o dia.

Alguns pais chegam a ensinar os filhos em casa.
Alguns pais, devido ao seu estilo de vida, ao facto de terem crianças altamente sensíveis ou por outro motivo qualquer, optam por ensinar as crianças em casa. Trata-se de um movimento educacional em rápido crescimento em muitos países ocidentais. Os estudos demonstram que os resultados são excelentes, tanto a nível académico como a nível social.

Isto acontece em famílias maiores, caracteristicamente com3-6 filhos.
De um ponto de vista demográfico, é necessário compreender e apoiar estas famílias. Têm muitos filhos e tomam bem conta deles, de forma consciente.

Ainda não foram feitos estudos sobre estas famílias pioneiras. Mas se juntarmos os estudos internacionais às experiências suecas, o resultado parece claro. Estas crianças têm por norma bons resultados, tanto a nível emocional como social e até escolar.

Um resumo daquilo que podemos aprender de 40 anos de políticas familiares suecas modernas poderia ser mais ou menos assim:
Uma licença parental generosa faz com que não haja bebés nos infantários.
Os infantários na Suécia recebem crianças apenas a partir dos 12 meses de idade, o que é uma boa prática sueca.

Educar crianças custa dinheiro; alguém tem de o pagar.
A Suécia investe uma quantia generosa nos cuidados precoces à infância (uma boa prática), mas infelizmente a utilização deste dinheiro guia-se por uma ideologia política e não pelas necessidades e desejos das crianças e dos pais (uma má prática).

O governo deve ser neutro no que diz respeito aos cuidados à infância.
Os pais têm de ter uma liberdade real ao escolher entre diferentes formas de cuidados à infância. Assim, o governo tem de apresentar aos pais um leque completo de opções, entre infantários, ficar em casa, amas, avós ou outros.

Apoio financeiro equitativo independentemente da forma de cuidados à infância.
Esta liberdade de escolha, bem como a neutralidade do governo relativamente a diferentes formas de cuidados à infância, têm de ser apoiadas por apoio financeiro equitativo a todas as formas de cuidados, de maneira a tornar-se razoável e justo. Se os infantários forem subsidiados pelo estado, os cuidados em casa também têm de receber um apoio razoavelmente equitativo, através de um tipo de subsídio ou benefício fiscal aos pais, tornando a opção de ficar em casa com as crianças possível para a maior parte das famílias, seja qual for a constelação.

Incentivar os pais a escolher o tipo de cuidados à infância em consciência.
Os pais devem ser incentivados a utilizar a liberdade de escolha no que diz respeito aos cuidados à infância. Têm de prestar atenção aos filhos e à situação familiar, e optar pelo que parecer mais adequado, relativamente ao papel da mãe e do pai, ao equilíbrio trabalho-família e à escolha do tipo de cuidados à infância. O governo tem de dizer que a escolha do tipo de cuidados à infância cabe aos pais, em última análise, não ao governo, e que este tem de respeitar a escolha de cada família, seja ficar em casa com os filhos, infantário, ama, avó, vizinho ou outro.

Cuidar das crianças em casa deve ser uma parte respeitada da carreira profissional e da vida.
A escolha consciente de ficar em casa com os filhos proporciona excelentes oportunidades de desenvolvimento pessoal para os pais. Cada vez mais as empresas e sector público se apercebem disto. Alguém que tenha ficado em casa a tomar conta dos filhos leva consigo para o emprego competências sociais e uma maturidade emocional que são excelentes contributos para qualquer ambiente de trabalho.

Os cuidados à infância controlados pelo estado fazem desta questão uma questão política.
É necessário tomar consciência de que o controlo político dos cuidados à infância leva a decisões políticas sobre os cuidados à infância, o que raramente é bom. A perspectiva política é curta, normalmente 4 anos. A perspectiva parental é longa, 80 anos ou mais. Os pais estão simplesmente dispostos a sacrificar mais pelos filhos do que qualquer democracia política ocidental típica alguma vez poderia estar.

A família é a principal instituição da sociedade no que diz respeito a relações próximas -  é uma chave para a saúde, crescimento e maturidade.
Seja qual for a sua definição, é necessário reconhecer a família como a principal instituição da sociedade no que diz respeito a relações próximas, uma vez que é o pré-requisito chave para a saúde, crescimento e maturidade humanos, e, em última análise, para a sobrevivência da espécie.
Outra conclusão lógica dos factos nesta apresentação é, naturalmente, que o modelo familiar sueco deve ser sujeito a estudos multidisciplinares extensivos antes de qualquer outro país tentar copiar o modelo sueco.


Obrigado pela sua atenção!


Jonas Himmelstrand
Perito em estudos familiares na organização familiar sueca Haro
http://www.haro.se/

Transcrição do texto da apresentação feita na Conferência sobre alterações demográficas da Presidência húngara em Budapeste, no dia 29 de Março de 2011. Apresentação feita enquanto perito em investigação familiar e membro do conselho nacional da organização familiar sueca Haro.
Tradução : Carla Palhares da Costa

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