Quando terminei o curso de História de Arte, tive a sorte de poder começar a trabalhar uns meses depois no serviço educativo de um dos maiores museus do país, de uma fundação privada (uma das maiores do país também, não vou dizer nomes mas acho que
e fácil perceber qual!).
Na altura trabalhávamos (eu e o resto da equipa) a recibos verdes. Fomos logo avisadas que as pessoas que lá estavam antes tinham sido mandadas embora ao fim dos 3 anos a recibos verdes, e que nunca teríamos hipótese de ficar nos quadros.
Não tínhamos ordenado fixo, recebíamos consoante o número de visitas guiadas ou actividades que fazíamos. E não recebíamos nada mal - se bem que havia meses com mais e meses com menos, e meses sem nada, claro.
O trabalho em si era apaixonante, e sei que é essa a minha vocação, mas com o tempo a insegurança de estar a recibos verdes começou a mexer-me no nervo, principalmente porque não era por falta de dinheiro.
Infelizmente, todas as propostas que fizemos, todas as mostras que demos de estar a fazer um excelente trabalho (que estávamos) saíram furadas, e percebemos que a nossa situação ali não ia mudar nunca. Tanto é que tudo isto se passou entre 2002 e 2005, e as pessoas que lá estão agora continuam, infelizmente, na mesma situação, a recibos verdes.
Em 2006 resolvi, com o Tê, partir para a Holanda.
Alguns meses depois de lá estar entrei para a empresa, onde ainda hoje trabalho. Tive pela primeira vez um contrato de trabalho, férias pagas, seguro de saúde e transporte pagos, todas as regalias.
Quando decidimos voltar para Portugal estava na altura de me darem um contrato permanente, que iam dar se eu tivesse ficado.
Já cá estávamos em Portugal quando me contactaram da empresa a perguntar se eu não queria voltar a trabalhar com eles, a partir de casa.
Falamos de uma empresa no ramo da tecnologia, que defende exactamente que com o equipamento adequado toda a gente pode trabalhar em todo o lado, que o estar 8h no escritório é obsoleto, e acharam que seria interessante ter uma pessoa que fosse exemplo disso mesmo.
Tendo em conta o estado do mercado de trabalho em Portugal, eu disse logo que sim, claro!
Durante 2 anos trabalhei a partir de casa a full-time.
O trabalho em si, como já disse 1000 vezes, é desinteressante. Não me preenche em nada, nem tem nada a ver comigo, apesar de o fazer relativamente bem. No entanto, dentro da área dos museus em Portugal é ainda muito difícil encontrar trabalho, e entre estar a fazer um trabalho secante num escritório em Lisboa, e ter de perder tempo em transportes e a receber o salário mínimo, a estar no conforto da minha casa, do mal o menos.
Apesar de estar em casa, tenho horário rígido a cumprir, e não me posso atrasar nem 1 minuto. Entro às 8h e saio às 16h30, com meia hora de almoço.
Trabalhar em casa nestas condições pode ser bastante secante. Não vejo ninguém, só falo com clientes, o contacto que tenho com os colegas é só através do chat interno, não tenho tempo de ir tomar um café, não tenho companhia para almoçar. Mas quando termino o trabalho já estou em casa, não perco tempo em transportes, não gasto dinheiro em comida fora de casa, vou tentando organizar a casa no horário de expediente.
Quando regressei de licença de maternidade, comecei a trabalhar em part-time, 3 dias por semana, coisa que já tinha pedido desde o início, mas que me foram adiando porque a equipa nunca estava completa.
E para uma mãe, é a situação perfeita.
Já aqui o disse que, por muito pouco interessante que seja o meu trabalho, não me vejo a estar indefinidamente sem trabalhar.
Assim, tenho tempo para tudo.
Quando estou no trabalho dedico-me a 100%, porque sei que tenho uma sorte do caraças em poder ter esta oportunidade, e porque estando a trabalhar à distância tenho de mostrar o que valho a dobrar, porque ninguém me vê a trabalhar, logo tenho mesmo de mostrar resultados.
Quando termino, posso dedicar-me àquilo que é mais importante, quer seja um outro projecto profissional (que não me sustenta, mas que me dá prazer), quer seja os filhos, a casa, as compras, os jantares ou as roupas.
O corte no ordenado é largamente compensado com a redução do nível do stress e com o tempo que ganho para a família.
A minha vida seria totalmente caótica se trabalhasse, como o Tê e como a maior parte das mães que conheço, das 9h às 17h30 que nunca são antes das 18h30, mais 1 hora de caminho para lá e para cá.
Entre a realização profissional a recibos verdes, ou a segurança de poder contar com um ordenado ao fim do mês, nesta fase da minha vida a segunda é, sem sombra de dúvida, mais importante.
O triste desta história é que parece que só é possível porque a empresa para quem trabalho não é portuguesa nem está em Portugal. Isto exige esforço por parte dos meus chefes, e também confiança, pois têm de analisar o meu trabalho com base nos resultados - aquilo que realmente interessa - e não na quantidade de horas que eu passo sentada à secretária ou em frente à máquina do café.
Por uma mudança de mentalidades, chefes de Portugal, inspirem-se!
Mary