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Flexibilizar para conciliar

Flexibilizar para conciliar

O trabalho do meu pai

17.05.11, flexbilizar ~ conciliar
Isaac, 19 meses.

O meu pai passa muito tempo comigo. Agora, e por uns dias, e porque nasceu o meu irmão ele está mesmo quase sempre comigo. Até já me levou com ele para o trabalho. Quando está lá fala num tom mais grave. É como se tivesse outra voz. É como quando está ao telefone. E está muitas vezes ao telefone. A minha mãe diz que ele não larga o telemóvel. Explicaram-me que também responde por escrito a coisas que lhe enviam lá do emprego.
Ele fala comigo e explica-me o que são as pessoas do emprego. Que precisam que ele faça isto e aquilo. Então ele tem de fazer desenhos e escrever coisas, além de fazer contas, que já me disse, ser o pior. E diz que estão sempre à espera que faça omoletes sem ovos. Em nossa casa quem faz omoletes é a minha mãe. Mas o meu pai explicou-me que também não se faz estrugido sem cebolas. Isso já percebi. Porque adoro estar ao colo dele enquanto ele cozinha. E ele deixa-me mexer com a colher de pau.
Quando andamos de carro leva um fio branco na orelha. Eu também o ponho na minha orelha e digo tou mas não ouço nada. Faço de conta porque os meus pais se riem muito. E lá vai ele levar a minha irmã às escolas, e leva-me também quase sempre, e muitas vezes vai a ralhar com pessoas. Outras vezes diz palavras sozinhas muito de vez em quando. Parece triste. No fim arranca o fio da orelha e diz palavras que a minha irmã não gosta de ouvir. Ela ralha-lhe. E ele ri. Prefiro quando ele não leva o fio na orelha. Porque vamos a cantar.
Ele explica-me que o problema é estarem sempre a aparecer coisas novas e que as pessoas sabem que ele fará o que lhe pedem. Mesmo se lhe pedem omoletes. E ouço dizer à minha mãe que é dificil mudar isto. Que a expectativa é esta. Da dedicação absoluta à carreira. Mas, diz ele, o problema maior é que ninguém se entende, ninguém se organiza e ninguém se respeita. Parece que é tudo urgente e é tudo uma treta porque todos usam e abusam e ninguém sabe planear. Eu também não sei o que é isso. Quando fala disto com a minha mãe não se ri. E a voz parece a do telefone. E repete algumas das tais palavras. E está com a mão na cabeça. Eu não gosto de o ver com a mão na cabeça.
O meu pai diz que já não usa fato porque não lhe apetece. Que já o obrigam a demasiadas coisas estúpidas. O que ele quer é que as pessoas percebam que o tempo que estão na empresa não é o mais importante. É o que fazem com esse tempo. Ele diz que há pessoas lá no trabalho que parecem preferir lá estar do que estar com os filhos. Ele já mandou pessoas para casa para tratarem de filhos doentes e eles não foram. Ele diz à minha mãe que quase ninguém gosta dele porque ele é portista e por isso ganha mais vezes, mas também porque não faz as coisas bai de buque. Não sei o que é. Mas parece que é perigoso porque diz que qualquer dia queima-se.
O meu pai diz que faz o trabalho normal dele em duas ou três horas. O resto são coisas que inventam e que lhe roubam tempo. Por isso ele já não faz o que sabe tão bem ou pelo menos como gosta. O meu pai agora já não vai trabalhar à noite. Mas trouxe outro computador onde está muito tempo. Mas eu também já vi o BOB nesse computador. A minha mãe diz que se calhar era melhor ele ter outro emprego mesmo que passasse mais tempo fora de casa. Se isso o deixasse mais feliz. O meu pai diz que é feliz se estiver mais tempo connosco. Diz é que não gosta lá muito de trabalhar porque lhe parece que está tudo louco.

Jaime Xavier. Pai.

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