Flexibilizar com Austeridade
Ana Teresa Mota | Consultora em Recursos Humanos
Agora sim os patrões descobrem o verdadeiro sentido da flexibilização e os números que vão saindo nos jornais económicos são mesmo aterradores. Desemprego sem justa causa, despedimentos em massa sem indemnizações, cortes nos fundos de desemprego e nos apoios às famílias, aumento significativo do custo de vida, aumento dos horários de trabalho sem aumento de salário.... será preciso acrescentar os números macro-económicos que garantem que o nosso futuro ? E é apenas, mais do mesmo. Ser pai/mãe nestas alturas é mais duro. É duro porque se aproxima o natal. É duro porque educámos os nossos filhos num contexto de abundância ou pelo menos de esperança nas possibilidades imensas de futuro. É duro porque lutamos todos os dias por estar mais presentes e menos focalizados no trabalho. É duro porque o medo passa dos adultos para as crianças e não temos respostas para lhes dar.
Mas nem tudo podem ser más notícias. Porque nós temos que dar a volta por cima. Nós temos que ser capazes de respirar fundo e partir para a luta. Para lhes dar o que precisam. Para lhes oferecer sonhos e futuro. Para lhes dizer que batalhando ninguém morre na praia. Nós, pais e mães, temos motivação. Temos como ouvi recentemente, em citação do Sérgio Godinho, uma força a crescer-nos nos dedos e uma raiva a nascer-nos nos dentes. E, como não podemos morder, vamos usar a força dos dedos.
Os patrões precisam de gente motivada nestas alturas, porque estão a retirar os direitos a toda a gente. Precisam de quem corra por gosto, porque vão continuar a tirar até não haver quase nada. E nós somos essa força de trabalho disposta a trocar o aumento que não vem por umas horas para a criança. Nós somos essa força de trabalho disposta a multiplicar o sorriso porque vamos para casa mais cedo para estar com as crianças. E quando os patrões só sabem tirar, de menos em menos até que não sobre nada vão precisar de ferramentas de motivação. Nós sabemos do que precisamos. Nós podemos avançar de peito feito, cheios de coragem, porque desistir não é uma possibilidade, baixar os braços não consta na nossa listinha de opções. E podemos fazer cara bonita para os clientes e duplicar os esforços.
Precisamos de tão pouco. Precisamos apenas de respeito pelas nossas opções de vida. Precisamos apenas de um espaço para dar atenção à família. Continuando a produzir. E não perdemos tempo no cafézinho a discutir o orçamento de estado, porque queremos sair a horas. Não perdemos energia a dizer mal do governo aos clientes, porque queremos cumprir objetivos.
Está chegada a hora de alguém valorizar o nosso esforço, o nosso empenho, a nossa motivação. Já não somos aqueles que só querem saber de sair a horas. Agora somos aqueles que não se queixam, que não choramingam, que não fazem política no escritório. Somos aqueles que só querem que os deixem trabalhar.
Este movimento pode ser discreto, mas também pode ser óbvio.
E esse é o desafio que vos deixo. Dizer bem alto : não discuto política porque tenho mais do que fazer. Dizer para quem quer ouvir, e para quem não quer já agora : não perco tempo a gritar com o governo porque prefiro falar com clientes que me ouvem.
Eu sou mãe. Tenho que ter esperança. Tenho que ter energia. Tenho que ser capaz de produzir. Tenho que estar motivada. Resta-me desejar-vos a todos, muito boa sorte. E um arco-íris para passar por cima das nuvens negras e chegar com um sorriso ao tesouro que temos em casa.