Compreender, focalizar, pressionar, mudar
Ana Teresa Mota | Consultora de Recursos Humanos
Nos tempos que correm a flexibilidade parece um mito e é cada vez mais complicado conseguir mudanças que não estejam diretamente associadas com custos, junto dos patrões, ou com benefícios, junto dos colegas.
É preciso mudar as mentalidades, disso ninguém tem dúvidas. O problema é por onde começar e o que fazer. Vamos começar por nós? Começar por mudar a forma como vemos as coisas? Ou como as dizemos? É que se não tenho dúvidas de que a nossa família precisa de tempo (se não também não estaria aqui), tenho muitas dúvidas quanto à forma como por vezes dizemos o que queremos, ou defendemos as nossas posições.
Quando falamos de mudar mentalidades, falamos usualmente “para fora”. Os outros precisam de mudar de mentalidade. Os patrões têm que perceber que o trabalho não é tudo. Os colegas têm que perceber que cada um tem direito às suas próprias necessidades, prioridades e objetivos. A sociedade tem que perceber que as mães precisam de tempo para os filhos. As escolas têm que perceber que nem sempre é possível ir buscar as crianças às 6 em ponto.
É preciso bom estômago para defender aquilo em que acreditamos. É preciso coragem para ser diferente.
O meu desafio aqui, hoje, é especial.
É mudar as mentalidades, porque tem que ser. É mudar as mentalidades, “para dentro”, começando por nós próprios.É abandonar a visão que temos, defendendo o mesmo, pelos motivos adequados ao contexto.
Se queremos ser ouvidos, se queremos ser compreendidos, primeiro temos que compreender.Temos que compreender os contextos e os outros. Temos que perceber quais são os argumentos válidos e porque é que estamos a fazer as coisas. Temos que escolher os nossos aliados e conhecê-los. Temos que conquistar os nossos direitos, não como pessoas individuais e diferentes, mas como pessoas iguais a tantas outras.É muito bonito assumir o direito à diferença, mas neste momento parece-me mais eficaz conquistar o direito a pertencer.Os patrões estão em luta com os custos, com os aumentos, com a perda de clientes e de mercado. E é fundamental que essa seja a nossa preocupação principal enquanto trabalhadores.
Como é que podemos fazer a diferença nesta luta tão difícil, como é que podemos ajudar a recuperar clientes e a ganhar mercado. Que ideias temos nós para oferecer? Que esforços? Não é preciso trabalhar mais meia hora. É preciso trabalhar muito nas horas em que lá estamos, focalizados nesta preocupação e apenas nesta preocupação.Quanto aos colegas, o problema é muito maior do que a empresa em que estamos inseridos.As pressões são muito mais profundas do que a “inveja” da pessoa que se senta na secretária ao lado da nossa.Todos os líderes se movimentam para pôr as pessoas, umas contra as outras.O primeiro-ministro vem à comunicação social dizer que os funcionários públicos ganham de mais.
Os privados gritam contra as regalias dos funcionários públicos.Os serviços de comércio e turismo gritam, contra o aumento do IVA, e de repente, um setor unido separa-se entre hotelaria e restauração. Está assim em todo o país, em todos os setores de atividade, nunca foi tão nítido como nas últimas greves, em que os argumentos fazem todos sentidos, mas as pessoas ficam contra porque individualmente prejudicadas. Separados não vamos a lado nenhum. Sem nos entendermos quanto aos valores importantes não conseguimos dar a volta por cima. Estas pessoas têm todas imensa força de pressão, o problema é que estão a exercê-la contra o vizinho do lado. E sempre que virem um benefício, uma vantagem, alguém que conseguiu ficar um bocadinho melhor, vão ser contra. E vamos derrubando, um a um, todos os que lutaram.
Porque estamos a lutar pelo lado contrário, contra nós próprios.
Quem são os nossos aliados? Como podemos conquistá-los? Os nossos aliados são todos os portugueses, porque a luta é comum. Até os políticos querem levantar o país. Todos nós queremos produzir mais. Todos nós queremos ser mais rentáveis e competitivos. Todos nós queremos bons resultados nas empresas, para que isso sustente o nosso nível de vida.(E não sou daquelas que acha que vivemos acima das nossas possibilidades!) A melhor forma de conquistar os outros para uma luta que já é deles, é percebê-los. É conhecer as suas prioridades e dar-lhes a força da nossa necessidade. Dar aos outros. Apenas isso. Dar força, dar coragem, dar atenção, dar voz, dar argumentos... aos outros. Porque se dermos, estamos a conseguir para nós próprios. Quando conseguimos que haja horas extraordinárias para quem fica até mais tarde, conseguimos ser deixados em paz quando não o fazemos e até temos mais moral para esses protestos. Quando conseguimos que haja promoções para aqueles que se empenham em motivar os outros, estamos a conseguir chefias que se sentem apoiadas e devolvem. Quando conseguimos que a empresa tenha lucros, estamos a conseguir assegurar os nossos postos de trabalho.
A flexibilidade?
Essa vem porque tem que ser. Vem porque a sociedade precisa de educar a sua juventude.Vem porque neste momento o futuro obriga a ter jovens bem formados. Os nossos aliados nesta batalha? As escolas, as faculdades, os centros de integração de jovens marginais, a polícia, as prisões.Todos os que lidam com a violência juvenil sabem reconhecer o papel das mães. São esses que nos vão ajudar a lutar por uma sociedade mais equilibrada e em que a família faça sentido. Não as empresas. As empresas vão reconhecer o esforço e o profissionalismo, vão valorizar quem gera lucros e abre mercados. Como deve ser. A nossa luta é sermos profissionais e respeitados. Não que os outros acreditem no mesmo que nós ou usem as nossas palavras.
A nossa luta é por justiça e respeito, para todos. O desafio é esse, e já sei que vou ser muito criticada, dar. Dar ao mercado de trabalho, para que se torne mais eficiente e mais respeitador dos trabalhadores todos. Numa visão diferente do que é a minha necessidade pessoal.